Abundância de recursos naturais e matérias-primas importantes como o minério de ferro pode ajudar nesse processo
Desde que, pela primeira vez, as atividades portuárias chinesas foram paralisadas entre o Ano-Novo chinês e meados de fevereiro de 2020, resultando em uma queda de, aproximadamente, 96% no movimento de contêineres que deixavam o país com equipamentos eletrônicos, peças e produtos de plásticos, o mundo não foi mais o mesmo. Ali, o Ocidente descobriu que a ideia de mandar praticamente todas as indústrias para a Ásia, especialmente a China, ao longo das duas décadas anteriores, poderia ter uma grande falha no caso de uma emergência sanitária.
Naqueles dias, as restrições impostas pelo governo do gigante asiático, na tentativa de conter o surto do, então, “novo coronavírus”, derrubaram o tráfego de uma média de 50 mil para 2 mil o total de contêineres desembarcados diariamente. A partir dali, uma nova expressão passava a frequentar o noticiário econômico: “a quebra das cadeias de suprimentos”. Os produtos já não circulavam pelos oceanos. Os atrasos se acumulavam e logo portos de todo mundo, incluindo do Brasil, também já não podiam receber ou embarcar novos produtos.
A reindustrialização se tornou uma necessidade, mas essa não é uma política simples de ser implantada. O exemplo das décadas de 30 e 80 do século passado, quando o Brasil passou por um surto de industrialização a partir da substituição de importações, já não é suficiente. É preciso investir em tecnologia e cuidar de aspectos que entram na avaliação dos modernos consumidores e investidores como responsabilidade socioambiental e governança.
A importância das indústrias no Brasil é histórica. No melhor momento, em 1985, o peso do setor manufatureiro chegou a 24,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas ao longo dos anos essa participação vem caindo, chegando a 18,9% em 2021, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Somente entre os anos de 2015 e 2020 houve a extinção de 36,6 mil fábricas, segundo estudo feito pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Agora, às vésperas das eleições, a reindustrialização do País entrou nos discursos dos candidatos, inclusive com a proposta de recriação do Ministério da Indústria. Entidades do setor também apresentaram sugestões para os próximos anos.
De acordo com o professor da área de Estratégia Pública da Fundação Dom Cabral (FDC), Paulo Vicente, o Brasil reúne condições ímpares para atrair indústrias que deverão retornar ao Ocidente ou, ao menos, pulverizar parte da produção por diferentes países, mas ainda não soube aproveitar a oportunidade.
“Nesses dois últimos anos caminhamos muito pouco, andamos de lado no que diz respeito à reindustrialização. O que vemos agora é essa possibilidade se revigorar por causa da guerra na Ucrânia. Muitas indústrias tinham como um possível destino o Leste europeu, mas como isso ficou inviável, o Brasil e toda a América Latina ganharam força nessa competição”, explica Paulo Vicente.
Nesse sentido, o maior concorrente do Brasil seria o México, por conta da proximidade com os Estados Unidos. Argentina e Venezuela, por causa das suas crises internas, na avaliação do professor, têm poucas chances de atrair indústrias de peso. Colômbia e Chile, que têm governos de esquerda recentemente eleitos, devem passar por um período de “quarentena”.
Fora das Américas, a Índia já começa a aparecer na conquista de investimentos. A estimativa é que US$ 45 trilhões estejam repensando o seu destino até 2030.
“No Brasil, o governo eleito deve fazer pouca diferença. O mais relevante é o medo dos investidores de colocar dinheiro na China, que fica com uma política externa cada vez mais agressiva. E não existem tantos pousos seguros assim no mundo. Muita gente tem a estratégia de “China + 1” porque o país asiático está ficando inconstante, criando gargalos logísticos”, pontua o professor da FDC.
Cenário
A abundância de recursos naturais e matérias-primas importantes como minério de ferro e commodities agrícolas pode ajudar a reindustrialização do Brasil, atraindo, principalmente, indústrias de setores como siderurgia, indústria de alimentos, energia limpa e construção civil, entre outros. Outros fatores como bons centros de formação tecnológica, uma burocracia profissional e um grande mercado consumidor também contam a favor. Nesse viés de análise, Minas Gerais aparece com boas chances de atrair investimentos.
E até o que parece uma dificuldade pode ser revertido em qualidade: a falta de mão de obra qualificada, segundo o presidente-executivo da Associação Brasileira dos Importadores de Máquinas e Equipamentos Industriais (Abimei), Paulo Castelo Branco. O desafio é grande, segundo o Mapa do Trabalho Industrial 2022-2025. O levantamento realizado pelo Observatório Nacional da Indústria, aponta que o setor precisará qualificar 9,6 milhões de pessoas até 2025.
“Para aumentar a participação da indústria no PIB, o Brasil precisa formar mais profissionais que estejam preparados para acompanhar o avanço do segmento. Diferentemente da Europa e dos Estados Unidos, onde não existem pessoas que possam ser qualificadas, o Brasil tem mão de obra disponível e os próprios fabricantes internacionais de equipamento têm interesse em fazer esses treinamentos”, aponta Castelo Branco.
Para a gerente de Economia da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Daniela Brito, todo investidor recorre à equação risco X retorno para escolher onde aportar seus recursos e o Brasil ainda precisa demonstrar que aqui esse resultado é favorável. Para ela, a chave para a reindustrialização brasileira está na criação e garantia de um bom ambiente de negócios.
“O capital escolhe onde ele vai maximizar seus lucros e esse lugar é onde ele pode produzir com maior competitividade. A China é um lugar de mão de obra qualificada, que atraiu muitas empresas. O país já tinha essa estratégia de ser um grande produtor e exportador industrial. Mas isso, por outro lado, começou a prejudicar as classes sociais que perderam emprego nos países desenvolvidos, gerando questionamentos que foram intensificados durante a pandemia. O Brasil e Minas Gerais apresentam fatores favoráveis como mão de obra qualificada, centros de formação profissional, boa localização geográfica e um governo que tem se esforçado para oferecer também um ambiente de negócios mais adequado, investindo na desburocratização e equilíbrio fiscal”, destaca Daniela Brito.
FONTE: diariodocomercio.com.br